Estado da Arte
A Corte de Luís XIV
Todos os dias a mídia proclama um novo rei – o “Rei do Rock!”, o “Rei do Futebol!” –; um mercador não tem pudores em se propagandear o “Rei da Banha”; toda turma tem o seu “Rei da Cocada Preta”. Mas houve um tempo – quase toda a história humana – em que em cada nação imperava um único rei, e nos tempos modernos – talvez em todos os tempos –, nenhum foi tão paradigmático quanto o Rei Sol.
Em Luís XIV, disse Goethe, a natureza fabricou o espécime do tipo monárquico, e, assim o fazendo, se exauriu e quebrou o molde. Ele concentrou a autoridade da Igreja, o poder da aristocracia e o dinheiro da burguesia com mão de ferro, mas aberta. “Nunca na história um governante foi tão generoso para a ciência, as letras e as artes. Luís XIV perseguiu jansenistas e huguenotes, mas foi sob ele que Pascal escreveu, Bossuet pregou e Fénelon ensinou”, disse o historiador Will Durant. “Nunca a França escreveu melhores dramas, melhores cartas, ou melhor prosa. As boas maneiras do rei, seu autocontrole, sua paciência, seu respeito pelas mulheres, ajudaram a difundir uma cortesia encantadora na corte, em Paris e na Europa. Ele abusou de algumas mulheres, mas sob seu domínio as mulheres atingiram um status, na literatura e na vida, que deu à França uma cultura bissexual mais adorável do que qualquer outra no mundo. Tudo somado, e lamentando que tanta beleza tenha sido maculada com tanta crueldade, podemos nos unir à França em aclamar a era de Luís XIV como comparável à Grécia de Péricles, à Roma de Augusto, à Itália renascentista, e à Inglaterra elisabetana entre os picos da vacilante trajetória humana”.
Visto à distância, é verdade, o que parecia o zênite da monarquia foi apenas a luz crepuscular de um antigo regime decadente, contraproducente e opressivo. A revolução democrática defenestrou os reis, guilhotinou suas cabeças, tolheu seu direito divino, e a voz do povo se tornou a voz de Deus. Mas se esse novo monarca anônimo e mais absoluto que os antigos por vezes os superou em magnanimidade, tantas outras foi muito mais despótico. Talvez ele se engrandecesse se desse ouvidos à última palavra sobre o Rei Sol. Ao fechar as cortinas do Grand Siècle na oração fúnebre a Louis le Grand, o bispo de Massillon concluiu: “Só Deus é grande”.
CONVIDADOS
Laura Ferrazza: Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Robert Ponge: Pesquisador e orientador da Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Rodrigo de Lemos: Professor do programa de Línguas Estrangeiras da Universidade Federal de Ciências da Saúde Pública de Porto Alegre.
REEFERÊNCIAS
* A crise da consciência europeia: 1680-1715 e O Pensamento Europeu no Século XVIII, de Paul Hazard.
* História da Civilização, VIII, A Era de Luís XIV, de Will e Ariel Durant.
* A sociedade de Corte, de Norbert Elias.
* Les Origines de la France contemporaine: L’Ancien Régime, de Hyppolyte Taine.
* Le Siècle de Louis XIV, de Voltaire.
* Histoire de France, de Jules Michelet.
* Le siècle de Louis XIV, de Hubert Méthivier para a série Que sais-je?
* Histoire de la France de Pierre Miquel.
* The Oxford Handbook of the Ancien Régime, ed. William Doyle.
* The Ancien Régime; France and the Age of Revolution e Old Regime France, de William Doyle.
* The New Cambridge Modern History. V. The Ascendancy of France 1644-88.
* “Louis XIV et son siècle” – radiodocumentário da radio France Culture em 4 episódios
* “Louis XIV: le Roi-Soleil rayonne sur le monde” – do programa Le Cours de l’Histoire, de Xavier Mauduit. Radio France Culture.
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